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Departamento de Física
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Depoimento

Prof. Vitorio Alberto De Lorenci

Tive a honra de ser convidado para escrever algumas linhas sobre minha passagem pelo Departamento de Física (DPF) da UFV, que na ocasião ainda estava estabelecido no segundo pavimento de um dos atuais prédios do CEE. As memórias que me surgem são muitas: dos amigos, da admiração pelo fascinante poder da matemática superior, das discussões científicas durante as caminhadas pelo Campus e, dentre muitas outras memórias, da locomotiva chorosamente deslizando sobre os trilhos úmidos em um dia de chuva — nesse dia de outono, a imperceptível inclinação dos trilhos levou-a a um movimento na direção contrária ao que exigia as suas poderosas máquinas, enquanto lutavam contra o implacável poder da gravitação.

Depois de 30 anos, o DPF continua fazendo parte do docente e pesquisador que sou hoje. Muito do que tenho realizado encontra raízes nessa diferenciada escola de física. Tive o privilégio, assim com muitos colegas, de conviver com a equipe do DPF em um momento particularmente rico de sua história, quando o grupo estava na iminência de ter uma identidade mais independente dentro de uma universidade com viés fortemente agropecuário. Esse movimento, que levou o DPF ao seu amadurecimento e modernização, parece ter sido fundamentado pela capacitação de alguns docentes e, principalmente, pela contratação de novos profissionais de grande competência em ensino e pesquisa, e com uma visão apaixonada da ciência. A produção do conhecimento novo e a formação de novos pesquisadores são, incontestavelmente, os produtos diferenciados que a academia pode oferecer ao mundo, e é exatamente este o caminho que o DPF tem trilhado nos últimos anos. Como consequência natural desta atuação, profissionais bem qualificados nas mais diversas áreas da ciência e tecnologia crescem com segurança neste ambiente e promovem o real avanço do país.

Em minha passagem pelo DPF, tive a alegria de me envolver com alguns projetos que produziram imensa transformação em minha jornada acadêmica e pude
construir alguns conceitos que me fortaleceram ao longo da minha carreira. Esse relato se tornaria por demais extenso se eu procurasse produzir um texto detalhado, por isso mencionarei somente alguns aspectos mais relevantes.

O primeiro desses projetos foi no contexto do Núcleo de Ensino Integrado de Ciências e Matemática (NEICIM). Este programa era coordenado pelo Prof. Fábio Leão Jório, e seu objetivo era levar o conhecimento de ciências aos professores da rede pública de ensino fundamental e médio. Tínhamos uma oficina, onde eram projetados e construídos diversos experimentos científicos portáteis. O ápice deste projeto eram as viagens às cidades com carência na área. Em geral, haviam solicitações das Secretarias de Ensino destas cidades, e eram agendadas visitas do grupo ao longo do ano. A minha primeira participação efetiva com respeito ao ensino, dentro deste programa, foi na cidade de Poços de Caldas. Ministrei um minicurso de ótica para uma turma com cerca de 20 professores da cidade e arredores, durante uma semana. Todas as aulas eram divididas em uma parte teórica e uma parte experimental, onde comprovávamos com medidas alguns dos tópicos que haviam sido discutidos no quadro negro. Posso dizer que a metodologia de ensino que aprendi a utilizar nesta fase exerceu uma influência direta na construção do professor que sou hoje. Ainda costumo utilizar demonstrações experimentais simples em sala de aula como motivação para algumas discussões teóricas de eletromagnetismo. Sem querer me desviar do relato, preciso ainda mencionar o Prof. Fábio por dois eventos marcantes. Foi com ele que tive o primeiro contato com a teoria da relatividade especial. Me lembro como se fosse hoje de suas aulas no andar superior do pavilhão próximo ao restaurante e a sua alegria ao nos relatar os assombrosos eventos naturais em regimes de altas velocidades. Finalmente, mas não de menor importância, ele me vendeu a fantástica coleção Landau & Lifshitz de física teórica por um valor absolutamente simbólico (de fato, foi um presente!).

O segundo projeto foi na área de matéria condensada, orientado pelo Prof. Alexandre de Carvalho, conhecido na época como “Paizão”. O objetivo do projeto era a purificação de gálio (Ga) a grau eletrônico. Alexandre havia sido recentemente contratado e ainda mantinha fortes vínculos com a UFMG. Ele trouxe projetos de grande relevância para o DPF e montou um laboratório nos fundos do galpão, onde conseguiu produzir uma atmosfera científica muito rica. Nos anos que estive na UFV pude presenciar os laboratórios se expandirem rapidamente. Muitos alunos e docentes passaram a trabalhar ali. Todavia, percebi que esta não seria ainda a área que eu dedicaria a minha carreira, apesar de ter consciência da sua grande importância para a universidade e para o país. Devo confessar, que os momentos que me traziam maior encantamento durante os trabalhos no laboratório eram quando presenciava a produção de cristais de Ga por puxamento — técnica utilizada pela Profa. Regina de Carvalho, enquanto trabalhava em seu projeto de pesquisa. Algumas vezes, Regina obtinha cristalizações com uma simetria realmente admirável. Essa simetria, cuja essência ainda me era desconhecida, habitava frequentemente os meus pensamentos. Com Alexandre também aprendi a ter paciência e perseverança na condução de um trabalho científico. Sua postura ética e liderança pacífica foram certamente uma fonte de aprendizado para mim.

A seguir, tive o privilégio de iniciar meus primeiros passos no mundo da física teórica trabalhando em um projeto sob a supervisão do prof. Ernesto von Ruckert, que também foi meu professor em diversas disciplinas ao longo do curso. O objetivo era o estudo do movimento de partículas com momento de quadrupolo em espaços de Einstein-Cartan. Durante este projeto eu finalmente tive meu primeiro contato com ageometrodinâmica e tive consciência, de forma inequívoca, que dedicaria minha carreira a investigações fundamentais em física teórica. O choque perante a beleza e simetria por trás das teorias científicas das interações naturais produziram um efeito permanente em mim. Além do conhecimento adquirido pela investigação proposta no projeto, pude compreender alguns outros aspectos que julgo relevante mencionar neste relato. Observando o Prof. Ernesto, conclui que a segurança que o conhecimento pode nos proporcionar era certamente um dos principais segredos por trás do sucesso de um acadêmico. As questões que discutíamos evoluíam livremente por diversas áreas e foram moldando meu espírito investigativo e propiciaram em mim uma abertura gradual na forma como enxergo o mundo. Cada encontro era motivo para novas e mais profundas reflexões, não somente sobre temas científicos, que eram o objeto principal de nossas discussões, mas também sobre linguística, música, sociologia, filosofia, etc. Ernesto é uma pessoa com uma mente realmente brilhante e a sua paixão pelo conhecimento fortaleceu este sentimento em mim.

Finalmente, menciono a grande influência produzida pelo prof. Marcelo Lobato Martins em minha formação. O conheci nos anos finais de minha passagem pelo DPF. Marcelo, um jovem e brilhante pesquisador, contratado em sua fase final de doutoramento, trouxe para o DPF a certeza de que uma carreira dedicada a ciência era a escolha acertada para quem ama o conhecimento. A arte de criar o novo, ou talvez mais precisamente, de descobrir o que ainda estava oculto, é uma das maiores alegrias que um cientista pode ter em sua carreira, e isso me era espontaneamente revelado em nossas frequentes discussões ao longo da PH Rolfs. Com Marcelo, tive o apoio final no meu curso e o incentivo para os primeiros passos fora do acolhedor ambiente do DPF/UFV. Eu via no Marcelo a fonte para as futuras bifurcações que levariam o DPF à sua necessária evolução como instituição produtora de ciência. Me recordo de ter assistido à uma das provas do seu concurso, e também participei da primeira aula que ele ministrou na UFV, na disciplina de mecânica clássica, da qual eu não era aluno. Antes de iniciar a aula ele escreveu no quadro uma poesia de Óssip Mandelstam,

“Como pedra do céu na terra, um dia,
Um verso condenado caiu, sem pai, sem lar;
Inexorável – a invenção da poesia
Não pode ser mudada, e ninguém a irá julgar.”

Ao longo desses anos de convivência no DPF, percebi que a alegria de quem conhece mais profundamente a natureza transborda em seu discurso e desperta a motivação naqueles que o ouvem. Esta é uma mensagem importante que levei comigo desde então. Concluindo, conhecer o universo em que vivemos e, eventualmente, contribuir para a construção deste conhecimento é uma atividade que proporciona uma alegria irrevogável a quem dela participa. É uma conquista que dissipa as sombras da ignorância, que muitas vezes nem mesmo nos eram percebidas, e torna mais ampla a visão que temos da nossa própria existência. Obrigado ao velho DPF que, tal como o mesmo poeta acima citado genialmente descreveu,

“… lutou contra o óxido e o bolor,
Qual prata feminina se incendeia,
E o trabalho silencioso prateia
O arado de ferro e a voz do inventor.”


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